Em momento difíceis uma música pode elevar nosso ânimo, nos conforta e dá força para sair da inércia e nos impulsiona a recomeçar. Foi assim que surgiu a canção Don’t Give Up de Peter Gabriel. Lançada como um dos singles do multiplatinado álbum So de 1986, o artista britânico decidiu escrever uma canção que falasse sobre as dificuldades econômicas enfrentadas por um casal.
Peter Gabriel havia acabado de ver o livro de fotografias intitulado In This Proud Land: America 1935-1943 que mostra fotos do cotidiano da população dos EUA durante o período da Grande Depressão, que começou após o crash da Bolsa de Nova Iorque em 24 de Outubro de 1929 e durou até o final da década de 1930. As fotografias do livro eram imagens vívidas na mente Gabriel pois, na mesma época em que escrevia a maioria das faixas de So, o momento econômico vivido na Grã-Bretanha no início e meados da década de 1980 sob o comando da Primeira Ministra Margaret Thatcher era muito difícil. Foi uma crise iniciada pela alta do petróleo em meados da década de 1970, onde quase 3 milhões de britânicos ficaram desempregadas e passando por dificuldades para garantir o sustento familiar - um cenário muito familiar vivido aqui por nós brasileiros.
Don't Give Up foi pensada para ser cantada por um casal. Na letra, o homem fala com sua esposa de sua frustração em estar desempregado e de estar com sua honra ferida por não conseguir um emprego. A esposa, por sua vez, dá toda a força e o suporte ao marido pedindo para que ele não desista pois ele tem o suporte da família. E para que ele não fique envergonhado por aquela situação de estar sem um emprego.
Com a composição pronta, Gabriel logo começou a procurar uma cantora para fazer o dueto em Don’t Give Up. Dada a inspiração nos EUA e nas raízes da música americana, Peter Gabriel pensou na cantora Dolly Parton, entretanto, a artista acabou não aceitando o convite. A rejeição de Dolly Parton levou Peter Gabriel à amiga Kate Bush. Os dois estabeleceram uma amizade em 1979, quando Bush fez o backing vocal para algumas canções de Peter Gabriel. Eles também cantaram junto na cover da música Another Day (do cantor folk Roy Harper) durante um especial de Natal de 1979 feito para a BBC.
A química perfeita entre Gabriel e Bush, mais a própria interpretação vocal da cantora, elevou Don’t Give Up a um novo nível.
Ao longo dos anos Peter Gabriel apresentou essa canção ao lado de diferentes cantoras, entre elas Tracy Chapman, Paula Cole e, mais recentemente, com a cantora norueguesa Ane Brun. E também, Don’t Give Up recebeu diferentes covers feita pela mais variada gama de artistas como P!nk e John Legend com Herbie Hancock em 2010 e Alicia Keys e Bono Vox em 2005. Todas essas covers são ótimas, mas nenhuma delas supera a versão feita pela dupla Willie Nelson e Sinéad O’Connor.
A versão de Willie Nelson com a cantora irlandesa foi feita para o disco Across The Borderline de 1993, um disco predominantemente de versões. Nele, o artista country interpreta canções de Paul Simon, Bob Dylan, Lyle Lovett, mas também apresenta composições próprias e traz essa lindíssima cover de Don’t Give Up.
Na época, Willie Nelson e assim como outros artistas country de vertentes mais tradicionais dos EUA estavam quase esquecidos pelas grandes gravadoras graças ao sucesso da nova onda de country music surgida no início dos anos 90 com artistas como Garth Brooks, Clint Black e Alan Jackson. Este trabalho do Willie Nelson foi importante pois mostrou sua habilidade em trafegar por vários estilos musicais, sem deixar de trazer seu próprio estilo.
O arranjo dessa cover de Don’t Give Up, mais puxado para uma canção country e folk, casado com a voz de Nelson, que traz o sotaque norte-americano, mais a força vocal de Sinéad O'Connor, fazem com que sejamos transportados diretamente a um filme ou ao local em que os personagens que estão vivendo aquela estória da letra escrita por Peter Gabriel. Ao ouvi-la, sentimos a força das vozes dos artistas, e isso nos arrepia e nos remete ao início deste post: a música tem esse poder elevar nosso ânimo verdadeiramente.
Essa cover conseguiu não ser apenas mais uma versão e sim ser uma versão praticamente definitiva que não deve ser esquecida. Pelo contrário, essa cover deve ser relembrada por sua beleza artística, pela sua mensagem para elevar a nossa alma e confortar nossos corações.